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Caso Samarco: juiz vê modelo patriarcal privando mulheres de reparação


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A Justiça Federal reconheceu a ocorrência de graves violações sofridas pelas mulheres no âmbito da reparação dos danos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, que atingiu dezenas de municípios da bacia do Rio Doce em 2015. Na decisão, foi determinado um ajuste nos cadastros e a Fundação Renova, responsável por gerir o processo reparatório, deverá revisar, corrigir e atualizar as informações essenciais para que as mulheres afetadas possam reivindicar acesso aos programas de auxílio financeiro e de indenização.

As determinações foram assinadas pelo juiz Vinicius Cobucci, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). Ele acolheu os argumentos apresentados em ação civil pública movida por seis instituições de Justiça: Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU) e defensorias públicas dos dois estados.

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Elas alegaram que houve tratamento diferenciado conforme o gênero no decorrer do processo reparatório empreendido pelas Samarco e pelas suas acionistas Vale e BHP Billiton e executado pela Fundação Renova. Violações teriam ocorrido tanto na etapa do cadastramento como na implementação das medidas. As seis instituições de Justiça também querem que seja fixada uma indenização.

Cobucci considerou que a Fundação Renova adotou uma metodologia burocrática, excludente e tendenciosa no cadastramento que não considerou a complexidade das relações familiares e colocou as mulheres em posição de subordinação em relação aos homens. Ele considerou se tratar de um modelo patriarcal, que centralizou as informações na figura do “chefe de família”. Dessa forma, teriam sido invisibilizadas as contribuições econômicas e sociais das mulheres, privando-as do acesso aos programas de reparação.

Procuradas pela Agência Brasil, a Samarco, a Vale, a BHP Billiton e a Fundação Renova não se manifestaram.

Acordo

No rompimento da barragem, localizada na área rural da cidade de Mariana (MG), foi liberada uma avalanche de rejeitos que resultou em 19 mortes, devastou pequenas comunidades inteiras e gerou impactos nas dezenas de municípios mineiros e capixabas ao longo da bacia do Rio Doce. A reparação dos danos da tragédia se baseia em um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), acordo firmado entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Foram estabelecidos mais de 40 programas.

O modelo implementado, com a criação da Fundação Renova para gerir todas medidas, é hoje considerado mal sucedido pelos governos envolvidos e também pelas instituições de Justiça. Passados quase nove anos, tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos sobre a tragédia. Negociações para repactuar o acordo em busca de uma solução para esse passivo judicial se arrastam há mais de dois anos, mas os valores ofertados pelas mineradoras ainda não atenderam as expectativas dos governos.

Na ação civil pública que aponta a violação das mulheres, as seis instituições de Justiça enumeram diversos problemas na implementação de medidas previstas no TTAC. De acordo com elas, embora conste no cadastro dos atingidos quantidades semelhantes de homens e mulheres, houve participação reduzida das vítimas do gênero feminino nas oitivas realizadas pela Fundação Renova para levantamento de dados primários: elas representaram apenas 39% de todas as pessoas envolvidas. Além disso, somente 34% das mulheres foram listadas como responsáveis economicamente pela casa.

As instituições alegam que o cadastro é porta de entrada para os programas reparatórios, de forma que a reduzida participação na coleta de dados gera efeitos excludentes e oculta a realidade das vítimas do gênero feminino. Além disso, afirmam que a Fundação Renova adotou o conceito de família patriarcal como se fosse a única possibilidade de formação de núcleos familiares. Dessa forma, teria sido exigido de muitas mulheres a autorização dos maridos para acessar e realizar ajustes nos dados. A ação também aponta que o processo reparatório é carente de ações afirmativas com recortes de gênero, reforçando assim as desigualdades.

Dados

A decisão de Cobucci também reiterou determinação anterior envolvendo o tratamento de dados dos atingidos. Foi dado prazo de 60 dias para que a Fundação Renova apresente um plano detalhado de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de forma a garantir que informações pessoais sejam tratados de acordo com a legislação vigente.

Além disso, ele proibiu a exigência de constituição de advogado ou defensor público para acesso aos programas de indenização e de auxílio emergencial. Segundo Cobucci, essa obrigatoriedade não pode ocorrer em acordos extrajudiciais.

Recentemente, o magistrado também desconstituiu a empresa Kearney como perita do juízo. Ela havia sido nomeada pelo juiz Mário de Paula Franco Júnior, que esteve à frente do caso anteriormente. A Kearney atuava como instância recursal no âmbito do Novel, nome dado a um controverso sistema indenizatório implantado pela Fundação Renova em 2020 e encerrado no ano passado por determinação de Cobucci.

O Novel era alvo de críticas de entidades representativas dos atingidos, que lamentava, entre outros fatores, a arbitrariedade dos valores. A vítima que tivesse sua adesão negada pela Fundação Renova poderia apresentar recurso que seria analisado pela Kearney. Para Cobucci, uma das diversas nulidades do Novel foi a atribuição de prerrogativas que não correspondem à função legal de perito judicial, que é a produção de prova técnica para a qual o magistrado não dispõe de conhecimentos especializados.

A Kearney teria exercido funções de aferição do direito. Na decisão que desconstituiu a empresa como perita, também foi fixado um prazo de 20 dias para que seja apresentado um relatório sigiloso detalhando todas as providências adotadas no tratamento de informações e indicando todas as pessoas que tiveram acesso aos dados pessoais dos atingidos.